Os dançarinos de Conan Doyle

Acho que ainda não comentei aqui no blog sobre a magnífica coleção de fac-símiles dos manuscritos de Sir Arthur Cona Doyle publicada pelos Baker Street Irregulars. Então, começo a reparar essa omissão logo pelo mais recente, o volume Dancing to Death, que reproduz as páginas manuscritas originais do conto "The Adventure of the Dancing Men", geralmente traduzida como "A Aventura dos Dançarinos":


Este foi o quarto conto produzido por Conan Doyle para a série do Retorno de Sherlock Holmes, que ele foi basicamente subornado a escrever depois de ter dado Holmes como morto e sepultado nas cataratas de Reichenbach, na aventura do Problema Final, publicada em 1893. Dez anos mais tarde, uma oferta feita por um editor americano, de US$ 4 mil por conto (obscenos US$ 100 mil em dinheiro de hoje!), para uma série de oito a doze histórias, produziu a desejada ressurreição de Sherlock Holmes.

Tendo sido a quarta história escrita, Dancing Men foi a terceira a ser publicada, por sugestão do próprio Conan Doyle, para marcar uma pausa entre "dois contos sem crime" -- Norwood Builder e Solitary Cyclist. Especificamente, o próprio autor considerava a aventura da ciclista solitária uma história fraca.

A aventura dos dançarinos tem o charme especial de apresentar um código de substituição simples -- em que letras ou números são trocados por outras letras, outros números ou símbolos arbitrários. Esses códigos são vulneráveis a análise de frequência, onde o símbolo mais comum na mensagem é substituído pela letra mais frequente na língua do emissor, e assim por diante. Esse tipo de análise foi popularizado por Edgar Allan Poe em seu conto Escaravelho de Ouro, e há pelo menos duas passagens em Dancing Men que são paráfrases do texto de Poe. Abaixo, a página do manuscrito em que código dos dançarinos aparece pela primeira vez:


Como mais de um leitor atento já bem notou, o código é apresentado de modo inconsistente por Conan  Doyle (alguns críticos atribuíam a confusão aos editores ou ilustradores, mas o manuscrito mostra que o próprio autor é culpado), com o mesmo símbolo sendo atribuído a duas diferentes letras em diferentes trechos da história. A confusão mais conhecida é a da sequência:


Que pode ser lida como "NEVER" (nunca), o sentido desejado pelo autor, mas que pelas regras e exemplos  apresentados no conto também pode representar "NEPER" ou "NEPEP". Outro probelma é o excesso de variáveis (posições dos braços e pernas, juntas dobradas ou não, etc.) que permite a criação de muito mais símbolos que o necessário. O volume  Dancing to Death traz, além da reprodução do manuscrito, uma transcrição e uma série de ensaios a respeito do conto e de sua gênese.

Há, por exemplo, uma longa discussão do mito de que o código dos dançarinos teria sido inspirado por desenhos feitos por crianças da família Cubitt (a vítima do crime em Dançarinos chama-se Cubitt), proprietária de um hotel em que Conan Doyle esteve hospedado na época da composição da história.Também somos apresentados ao trabalho do dinamarquês Aage Rieck Sørensen (1925-2014), que a partir da amostra fornecida por Conan Doyle no conto construiu um alfabeto completo e consistente de dançarinos:


Aliás, quem quiser brincar de enviar mensagens cifradas pelo código de Sørensen-Conan Doyle pode encriptá-las online a partir deste site. Um exemplo de resultado:


Conan Doyle nunca foi muito bom com mensagens cifradas. Em outra aventura de Holmes, Red Circle, há um código de sinais de luz em que o número de piscadelas da lanterna corresponde à posição da letra no alfabeto, o que torna as mensagens terrivelmente demoradas (vinte e seis flashes para "Z"!). E no romance "O Vale do Medo", um agente de Holmes infiltrado nas hostes de Moriarty envia-lhe uma mensagem em que apenas as palavras expressas de forma não-cifradas bastariam -- caso a comunicação fosse interceptada -- para revelar a traição.

Os ensaios que acompanham os manuscritos nessa série dos Baker Street Irregulars são sempre muito interessantes. O volume The Napoleon Bust Business Again, sobre o caso dos Seis Bustos de Napoleão, por exemplo, traz um divertido apanhado sobre o trabalho na imprensa durante a Era Vitoriana -- tudo porque um dos coadjuvantes da história é um jornalista.

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