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Mostrando postagens de julho 24, 2011

Deu no New York Times: morre o pai da criônica

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"Criônica" é o termo usado para fazer referência à técnica de congelar um cadáver para tentar ressuscitá-lo no futuro. O principal divulgador da ideia, Robert Ettinger, morreu nesta semana e foi congelado. Há um belo obituário no New York Times . Um dado interessante é o de que Ettinger era escritor e fã de ficção científica. A obra de sua vida, a "evangelização" em nome da criônica, veio da leitura da revista de ficção científica Amazing Stories. Some-se isso ao fato de que pelo menos dois ou três dos ganhadores recentes do Nobel de Economia declararam-se inspirados a ingressar nas ciências sociais pela leitura de Fundação , de Asimov, e teremos uma pequena ideia do impacto da ficção científica no mundo real. Ao longo de minha carreira, escrevi vários artigos sobre criônica. A maioria deles apontava para o dilema envolvido na preservação de um corpo congelado -- por um lado, a solidificação da água nos tecidos causa danos às células; esse dano pode ser evitado

Sorte, riqueza e a ilusão do controle

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Sorte e acaso são termos que andam meio fora de moda. O ser humano sempre gostou de ter algum senso de controle sobre seu destino, e as atuais teologias da prosperidade, somadas à enxurrada de literatura de autoajuda, só fizeram agravar o processo, vendendo uma supersticiosa ilusão de controle às massas afoitas. Claro, não se trata de dizer que a sorte é tudo  -- preparação, empenho, senso de oportunidade, clareza de visão... tudo isso tem um papel, e um papel importante. Mas é preciso reconhecer como é forte a tentação de se cair no extremo oposto: achar que todas as coisas que ocorrem, acontecem por algum motivo. Que as pessoas sempre e inevitavelmente merecem o que acontece a elas, seja fortuna ou desgraça. Em termos teológicos, substitui-se a doutrina paulina da graça -- segundo a qual Deus distribui dores e recompensas de modo inescrutável -- por uma visão supersticiosa, quase mecanicista, do funcionamento dos céus: feitos tais e tais sacrifícios (seja um holocausto de to

Einstein e Deus: entre cegos e aleijados

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“A ciência sem religião é aleijada, a religião, sem ciência, é cega”. Outra: "não pode, verdadeiramente, haver conflito legítimo entre ciência e religião". As duas são máximas de Albert Einstein, retiradas de um artigo que escreveu em 1941, e recolhido no volume Escritos da Maturidade . Não raro aparecem -- principalmente a primeira -- em discussões sobre, exatamente, os conflitos entre ciência e religião. Geralmente, são invocadas em um tom de finalidade, para definir a conversa, o subtexto sendo: "Einstein, que era um cientista fodão, dizia isso ; e você, palhaço, quem pensa que é?" Não nego, claro, que o argumento tem algum poder heurístico -- a opinião de grandes cientistas sobre o que entra (ou não) em conflito com a ciência tem lá seu valor. Mas mesmo grandes cientistas podem errar, nesse aspecto: Newton e astrologia logo vêm à lembrança. No entanto, citações são de muito pouca valia quando retiradas do contexto adequado. A frase de Einstein sobre não

Cantor e o problema da onisciência

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Semana passada, eu mencionei aqui a análise feita pelo filósofo Patrick Grim sobre o "Paradoxo da Pedra", um raciocínio que indica que a onipotência, como normalmente entendida, é uma noção contraditória e incoerente. Grim, no entanto, é mais famoso -- na medida em que um filósofo contemporâneo pode ser "famoso", claro -- por ter descoberto o que ele acredita ser uma prova de que outra propriedade normalmente associada à figura de Deus, a onisciência, é impossível. A prova de Grim é chamada de "argumento cantoriano", porque deriva de resultados obtidos originalmente pelo matemático Georg Cantor. Simplificando bastante a coisa, e evitando uma linguagem excessivamente enrolada (com coisas do tipo, "o conjunto de subconjuntos de um conjunto é um conjunto..."), poderíamos dizer que Cantor demonstrou, muito tempo atrás, que todo conjunto pode ser usado para criar outro conjunto com mais elementos do que si mesmo. Por exemplo, a partir de {1,2,3} é

E Copérnico ganha mais uma

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Se você já leu tanta divulgação científica quanto eu, provavelmente está meio acostumado à ideia de que a vaidade humana recebeu diversos golpes nos últimos 600 anos, primeiro com Copérnico e Galileu, que nos tiraram do centro do Universo; depois com Darwin, que pôs o homem como mais um animal entre outros; com Freud, que mostrou que o ser humano não é senhor, sequer, dos próprios pensamentos; e, por fim, com Hubble, que descobriu que a Via-Láctea é apenas mais uma galáxia entre uma infinidade de outras, num Universo em expansão. O quadro acima é razoavelmente correto, mas requer alguns ajustes. Primeiro, a posição de centro do Universo que a Terra tinha no pensamento medieval não era exatamente coisa de causar vaidade -- muito pelo contrário: na cosmovisão da época, o centro era também a parte mais baixa, para onde escorre tudo que é grosseiro, impuro, sujo -- a Terra, no centro do Universo, cumpria uma função análoga à do ralo no centro da pia. Segundo, a colaboração de Freud é

Se Deus existe, então tudo é permitido

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A frase-título desta postagem é, se não me engano, um dos slogans da campanha da ATEA . Decidi usá-la para encabeçar minha postagem a respeito do atentado na Noruega porque a tragédia nórdica é uma ilustração bem clara do significado mais profundo do slogan. (Aliás, alguém poderia em explicar por que os maníacos da Al-Qaeda sempre são chamados de "terroristas islâmicos", mas o cavaleiro templário de Oslo é um "extremista de direita" e não um "terrorista cristão"? Seria mais uma questão da multiplicidade dos pesos e medidas na mídia brasileira? Este editorial do Estadão chega ao cúmulo da delicadeza, calçando luvas de pelica para dizer apenas que o assassino "se definia como cristão conservador". Tá, mas por que, então, não calçar as mesmas luvas e afirmar, por exemplo, que Osama bin Laden "se definia como muçulmano"?) A questão envolvendo Deus e o que é permitido ou proibido faz parte de um campo de estudos conhecido como o das

Homeopatia, espiritismo e o poder de uma hipótese

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Não sei como andam as coisas nas editorias de Ciência dos jornais hoje em dia, mas nos anos em que cuidei do assunto, no Estadão.com.br, era com uma certa frequência -- digamos, uma vez a cada trimestre -- que aparecia, na caixa de e-mail ou entre as sugestões trazidas por colegas de outras áreas, a notícia de um estudo "provando" a eficácia da homeopatia em animais (ou no combate de alguma aflição humana específica) ou de uma pesquisa a confirmando a existência de forças espirituais, e/ou a respeito do "poder de cura" de certas práticas mediúnicas. Exatamente uma única vez, chamaram-me a atenção para um trabalho realizado na UnB que teria provado a validade da astrologia. Estudos assim sempre me deixavam estupefato. Se tivessem sido realmente bem executados e suas conclusões fossem válidas, deveriam estar sendo publicados na Science ou na Nature -- sendo esta última, historicamente, uma publicação bastante aberta a conclusões polêmicas, tendo dado guarida, por