E Copérnico ganha mais uma

Se você já leu tanta divulgação científica quanto eu, provavelmente está meio acostumado à ideia de que a vaidade humana recebeu diversos golpes nos últimos 600 anos, primeiro com Copérnico e Galileu, que nos tiraram do centro do Universo; depois com Darwin, que pôs o homem como mais um animal entre outros; com Freud, que mostrou que o ser humano não é senhor, sequer, dos próprios pensamentos; e, por fim, com Hubble, que descobriu que a Via-Láctea é apenas mais uma galáxia entre uma infinidade de outras, num Universo em expansão.

O quadro acima é razoavelmente correto, mas requer alguns ajustes.

Primeiro, a posição de centro do Universo que a Terra tinha no pensamento medieval não era exatamente coisa de causar vaidade -- muito pelo contrário: na cosmovisão da época, o centro era também a parte mais baixa, para onde escorre tudo que é grosseiro, impuro, sujo -- a Terra, no centro do Universo, cumpria uma função análoga à do ralo no centro da pia.

Segundo, a colaboração de Freud é largamente superestimada: a ideia de que o ser humano age movido por motivações inconscientes é muito anterior a ele. Os filósofos estoicos, na Antiguidade, já sentenciavam que o homem que busca erguer monumentos em seu nome age, na verdade, por medo da morte. Que tal isso, como insight psicológico?

De qualquer forma -- voltando à contribuição de Copérnico -- o ralo é um ponto especial da pia (ainda que sua "especialidade" tenha uma honra um tanto quanto duvidosa), e o fato de não estarmos nele realmente nos removeu de uma posição de destaque. Esse movimento, do especial para o comum, acabou sendo entronizado como o Princípio Copernicano: não devemos supor que o lugar onde estamos é especial.

Esse princípio é uma espécie de hipótese de trabalho da ciência: não seria possível deduzir leis universais da natureza se o pedaço da natureza a que temos acesso fosse especial, isto é, radicalmente diferente da situação típica do cosmo.

O que não significa que o princípio não seja desafiado, de tempos em tempos: afinal, é possível (ainda que altamente improvável) que, sim, estejamos num lugar especial. Teorias como a da "Terra rara" -- segundo a qual as condições para a existência de vida na Terra são virtualmente impossíveis de se repetir em outras partes do Universo -- se enquadram aí, por exemplo.

Mas o mais recente desafio ao Princípio Copernicano veio da cosmologia. Há pouco mais de dez anos, cientistas descobriram que o Universo está em expansão acelerada, um fenômeno que foi atribuído à presença de um tipo até então desconhecido de energia no próprio espaço, a chamada energia escura.

Cientistas, no entanto, tendem a cultivar uma saudável desconfiança em relação à tática de invocar entidades desconhecidas e misteriosas para explicar novos fenômenos -- dizer "foi o diabo que me fez fazer isso" não cola -- e, embora a energia escura esteja parecendo cada vez mais plausível, a busca por alternativas continua.

Uma dessas alternativas é a hipótese do Grande Vazio. Segundo ela, o Princípio Copernicano está errado e, sim, nós observamos o Universo de um mirante especial: um localizado no centro de uma grande bolha de espaço vazio (daí o nome). A impressão de que as demais galáxias estão fugindo de nós cada vez mais rápido seria uma ilusão de óptica causada pela presença do vazio entre nós e o resto do Universo.

Uma série de observações astronômicas, divulgada no periódico Physical Review Letters, no entanto, mostra que algumas consequências esperadas da presença do Vazio -- entre elas, uma variação no fundo cósmico de micro-ondas -- não se confirmam.

O Princípio Copernicano, portanto, continua firme e forte. Não somos mais o ralo do Universo, nem a coroa da criação (esses seriam os besouros, de acordo com JBS Haldane) e nem, ao que parece, o centro de uma bela bolha de nada. Mas fazemos perguntas e (às vezes) obtemos respostas -- o que há de servir para alguma coisa.

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