A evolução funciona em todas as direções

Todas as formas de vida existentes hoje na Terra são igualmente "evoluídas", no sentido de que estão adaptadas aos ambientes em que vivem e de que percorreram, ainda que por trilhas diversas, os 4 bilhões de anos que nos ligam todos, homens, tubarões, planárias e bactérias, ao ancestral comum que iniciou a marcha da biologia na Terra.

Essa constatação é talvez uma das mais difíceis de transmitir quando se fala sobre evolução. Mesmo quando uma pessoa se liberta da intuição criacionsita, é grande a chance de que permaneça ligada a uma ideia de "grande design" ou de "propósito" embutido na evolução biológica.

A confusão semântica entre "evolução" e "aperfeiçoamento" está na raiz de muitas ideologias que se veem como consequências lógicas -- quando, na verdade, não passam de filhas bastardas -- da teoria da evolução, como o darwinismo social e o socialismo científico.

A ideia de que a evolução teria um rumo ou meta -- para além do fim incidental de gerar formas cada vez mais compatíveis com o meio -- é sedutora também para os espíritos místicos. Teilhard de Chardin argumentava em defesa de um objetivo final da evolução, o "ponto ômega".

Um dos "rumos" que os defensores do caráter teleológico da evolução apontam é o da complexidade crescente: ao longo da história da vida, argumentam, as formas e os organismos foram se tornando cada vez mais complexos, com mais partes, funções, moléculas etc.

Há alguns anos entrevistei um dos maiores especialistas em evolução da atualidade, Douglas Futuyma, e perguntei-lhe a respeito.

Ele me respondeu que, se imaginarmos um gráfico da evolução da vida, com um eixo horizontal  para o tempo e outro, vertical, para a complexidade, e começarmos a marcar nele pontos correspondentes aos seres vivos que surgem ao longo da história, veremos que, logo no início, no ponto zero-zero, a vida não teria mesmo para onde ir além de cada vez mais para cima -- os únicos espaços vazios do gráfico seriam os espaços de complexidade igual ou maior que a do ser vivo original.

Até por uma questão de probabilidade, mesmo passado algum tempo ainda seria de se esperar que as novas espécies estivessem mais para o alto -- fossem mais complexas -- que as anteriores, já que o espaço disponível acima dos pontos marcados até então continuaria a ser bem maior do que o espaço abaixo.

No entanto, à medida que o tempo passa e a vida sobe na escala de complexidade, o espaço para o surgimento de formas abaixo dos pontos mais altos também cresce, e nada impede que novos seres -- menos complexos -- passem a ocupá-lo. Isso é o que, acredita-se, aconteceu com vários parasitas, que teriam perdido órgãos e funções de seus corpos, "terceirizados" para os organismos hospedeiros.

E, segundo a edição mais recente da revista Nature, foi o que ocorreu com duas espécies de vermes aquáticos, Xenoturbellida e Acoelomorpha. De acordo com pesquisadores canadenses, essas criaturas, extremamente simples, não pertencem -- como se imaginava --à base do ramo evolucionário dos animais de simetria bilateral.


De acordo com os canadenses, esses vermes -- que não são parasitas -- evoluíram a partir de ancestrais mais sofisticados.

Comentários

  1. Poxa, na hora em que começava a ficar bom, o artigo terminou! :-)

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  2. Lembrando que o próprio Darwin evitou a princípio usar o termo "evolução", preferindo algo como "seleção do mais apto por hereditariedade". O termo só foi aparecer em edições posteriores da Origem das Espécies. Como em português "evolução" remete a algo que necessariamente "melhorou", essa confusão infelizmente ajuda a alimentar a idéia de "design" ou "propósito", como diz o texto.

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  3. É possível afirmar que a Seleção Natural não elimina de fato aquilo que se faz desnecessário?

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    1. Oi, fernandes! Acho que a questão principal não é necessidade, mas custo: organismos da mesma espécie, sem a tal característica, conseguem deixar mais filhotes que os que a preservam? Se sim, a característica tende a sumir.

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